CHANSON D'AUTOMNE

Les sanglots longs
Des violons
De l'automne
Blessent mon coeur
D'une langueur
Monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l'heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure.

Et je m'en vais
Au vent mauvais
Qui m'emporte

Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.

Paul Verlaine
CASTELOS DE VENTO: agosto 2007

quinta-feira




capillus veneris [1]

há um choro granítico, silencioso,
que pende hialino das paredes húmidas.

lágrimas e rugas apenas.

na vertical do meio-dia,
da nora os mouriscos gemidos.
numa esperança de sol,
êxtase são as lágrimas e os limos.
companheiras as estilhas de luz
que tombam rente aos salpicos de água
na cintilação ocre dos alcatruzes.
um colar de pranto e argila
sob a figueira brava.

da noite, o manto e os pássaros.
num retorno ao mel e ao verde quase azul,
o cabelo de vénus refulge de doçura
sob o agosto de um quarto de lua.

do dia, a ignescência do sol e a quietude do vento
em sonhos de água de brilho intenso.

fotossíntese das minhas utopias,
dás-me a beber, serena capilária,
na respiração solitária do teu silêncio,
da esperança a doce clorofila.

na vertigem de espelhos do teu poço-oásis
habitas-me assim, cappillus veneris,
em inconsciente e etéreo delírio,
as raízes mais profundas da minha alma.


[1]- Cabelo de Vénus. "Adiantum cappillus-Veneris" (Lin.) - Planta herbácia medicinal, também chamada capilária e avenca, que cresce nos sítios sombrios e húmidos do País (v.g. poços, minas, rochedos húmidos).


"...tirando a cada momento da algibeira rebuçados de avenca para o catarro"
(Eça de Queirós, "O Primo Basílio)

En el pozo María Luisa


""




eu choro o homem que morreu na ferromina

eu choro o homem que morreu no ventre
da terra-mãe em busca do vil metal,
seja ele o ferro, o ouro ou o carvão,
e que não teve tempo de ver crescer os filhos
nem conhecer a fluidez do colorido quente do verão
ou os magoados tons de violeta e sépia
de que se veste o ameno e lânguido outono.

Pretendo com este “post” prestar uma humilde homenagem aos que, debaixo da terra, extraem o vil metal que comanda a vida dos que estão à superfície, tantas vezes a troco da própria vida (dos mineiros).

Dedico-o, por extensão, aos cerca de dois milhões de homens e mulheres – e crianças! – que, segundo a OIT, morrem anualmente em todo o Globo, vítimas de acidentes de trabalho e de doenças profissionais.

Só alguns exemplos (refererirei, para simplificar, somente os mineiros chineses, por serem os mais atingidos, e também por a ideia de este "post" ter surgido após o recente acidente verificado numa mina da China Central, como refiro no final deste escrito).

No primeiro semestre de 2007, cerca de 1800 trabalhadores morreram em acidentes ocorridos em minas chinesas, de acordo com uma estatística publicada pela imprensa estatal.
Fonte: Rádio Renascença, Portugal

De referir que nos anos de 2004, 2005 e 2006 as mortes nas minas chinesas atingiram, segundo fontes governamentais um total de cerca de 14 000 mineiros.
(fontes consultadas: RTP, Lusa e Folha Online)
No entanto, e de acordo com estatísticas não governamentais, aquele número ultrapassará 27 000 mortos.

P.S.: entretanto, uma boa notícia: foram resgatados com vida os 69 trabalhadores recentemente enclausurados durante 3 dias na mina de carvão de Zhijian, na província central de Henan, China, devido a fortes inundações de água.

quarta-feira

Sophia Andresen



Edvard Grieg - 'Peer Gynt', Op. 23: no 13, Act 4 Prelude – 'Morning'






Contou-nos tempos templos e distâncias
Na deslumbrante transparência dos regressos
Falou-nos dos palácios e da sabedoria dos gregos
Cantou-nos deuses mitos e poetas
E marejou sob as velas dos portugueses
No oiro límpido de todos os poemas

Ensinou-nos a escutar o vento
O impulso cadenciado das ondas
O rumorejo cristalino das fontes
E a admirar o fulgor dos espelhos de água
Que incendeiam de brilhos as ilhas esmeraldinas

Exortou-nos a amar a lua e as estrelas
E o encanto nocturno do seu silêncio
E a apreciar a claridade e a nudez do dia
Nos reflexos de sol dos horizontes
Onde a paz se funde com a harmonia

Ensinou-nos a comungar a terra e as flores
E o balançar ritmado do feno e das espigas
A haurir o perfume dos pinhais e da maresia
A admirar o voo e o cântico das aves
E a maravilha das sombras e das cores
Onde a terra-mãe fala com as árvores

Falou-nos da paz que imana do amor e da verdade
E levou-nos às auroras onde mora o sol
E ao esplendor da justiça e da liberdade
Onde brotam as rosas do tempo inicial



Completaram-se no dia 2 de Julho p.p. três anos sobre a data em que a nossa saudosa Sophia nos deixou.
Escrevi estes humildes "versinhos", há 3 anos, como singelo preito de gratidão e homenagem à grande Poeta.

segunda-feira

entre a pedra dura e o verde mar




entre a pedra dura e o verde mar

caminharei sempre por estas veredas
entre a pedra dura e o verde mar
e beberei das fontes destes ventos
a espuma das manhãs da preia-mar.
modelarei com os meus dedos de argila
a liquidez do fio do horizonte
onde a linha de luz por que me guio
voa à deriva com as andorinhas
ao lado da gaivota de dorso cinzento.

contornando brumas e escolhos
emigrarei silencioso e invisível ao teu encontro
vogando nos espelhos de lua-de-água dos teus olhos.

mergulharei no mar vermelho dos teus lábios
e subirei às nuvens brancas e hialinas
na linha limite entre o céu e o mar
onde as minhas lágrimas são salinas.

conheço as folhas deste livro.
estive no seu lançamento.
desfolhei na maresia este ar salgado
esta doce brisa evanescente
que paira nos horizontes azuis do tempo
a pedra abismo para onde emigro.

na pátina submersa da voragem dos dias
quando arrastadas pelo vento
as folhas do calendário da terra
rastejam setembrinas
pelo chão ainda morno
das ténues arestas de agosto
setembro-me com elas sobre a pedra indócil.
num prenúncio de chuva e vinho mosto
madrugarei pelas teias de luz na tua procura
e sob os céus de cobre de todos os ocasos
anoitecerei igual como se fora equinócio.
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