CHANSON D'AUTOMNE

Les sanglots longs
Des violons
De l'automne
Blessent mon coeur
D'une langueur
Monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l'heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure.

Et je m'en vais
Au vent mauvais
Qui m'emporte

Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.

Paul Verlaine
CASTELOS DE VENTO: janeiro 2009

sexta-feira

entre os lençóis e as árvores



entre os lençóis e as árvores

uma lâmina de frio vara o silêncio
das vidraças do meu quarto
e desce inquieta sobre o teu xaile de lã virgem
estás longe
muito longe!
presente apenas o xaile
e o dezembro gélido e estranho
que navega na célere vertigem
de dobrar o solstício para atingir o natal

abro a janela

um silêncio feminil de luar
suspende-se nocturno
e desce das copas das árvores
trespassa os umbrais
e insinua-se cheio pelo quarto

lânguida e doce a claridade da lua
derrama-se e fulgura por sobre a seda
núbil do teu corpo adiado

num incêndio de êxtase e mel
surges-me num afresco
por sobre os lençóis da minha noite

a bordo dos meus dedos de argila
navegam já todas as tintas e os seus segredos
mas os dedos ansiosos e trémulos como a minha mente
em vez de avivarem a cores quentes a tua presença
apenas conseguem esboçar uma réplica da tua ausência
que persiste agora no vazio penumbroso
e sombrio de um retrato a sépia


(entre os lençóis e as árvores
o epicentro da minha saudade)

Em demanda do phallus perdido


Em demanda do phallus perdido

Sobre o vale do Nilo cai triste a madrugada.
Na feral câmara a incenso perfumada,
conservado em bálsamos em esquife de ouro,
jaz morto Osíris, o rei-deus do Além e da fertilidade,
esquartejado por seu irmão Seth, deus dos infernos e da escuridade.

Sobre o corpo do amado esposo debruçada,
Ísis, a excelsa rainha-deusa, beija-lhe o rosto e chora em silêncio.
Oh, quão profundo é o amargor que lhe lavra a alma!
Observam-na, de ar grave, escribas e guerreiros,
enquanto os sacerdotes entoam laudes por entre vapores e cheiros
de incenso que pesam na humidade sombria da mastaba.

Lá fora, à sombra dos sicómoros e palmeiras,
fustigado pelo vento agreste e quente do deserto,
o povo anónimo reza e carpe e não entende
por que razão a vida dos deuses também se acaba.

Súplice e harmoniosa, ouve-se a voz de Ísis:

«Ditoso Geb, meu Pai! Recolhi ao longo do Nilo, como ordenastes, (1)
a cabeça, o tronco, e à excepção de um, todos os membros (2)
de meu amado esposo, e erigi nas margens de cada local celsos templos.

Vós que sois da Terra o grande deus,
dai vida ao vosso filho, meu extremoso marido e gémeo irmão,
que jaz inerte e frio nesta câmara mortuária.
E vós, Nut, Mãe amada, deusa dos Céus,
que sois da Noite luminária,
fazei com que o virtuoso falo que com as argilas do Nilo moldei
devolva a meu amado esposo a virilidade originária.»

«Nobre Filha minha! Quando no primeiro dia de Thoth a noite for a meio, (3)
transformada em águia, conhecerás de novo Osíris, que íntegro ressuscitará. (4)
E um deus nascerá desse maravilhoso enleio.
Hórus será o seu nome, e terá por coroa o Sol dos Céus!
Será belo e terá corpo de homem e cabeça de falcão.
Derrotará o traidor Seth, e governará o Egipto com ceptro e sábia mão.
Ele será a luz destes reinos, e da sua árvore nascerão os faraós!

Assim me falou Geb, teu Pai! Cumpra-se o que fica dito!
Que Seth seja anátema e pasto do eterno fogo
e que regresse Osíris, teu adorado esposo
que de novo ensinará o bom povo do Egipto
a pescar, a plantar a vinha e a semear o trigo.»

«Oh, estimado esposo, terno amante!
Imensa é a saudade dos teus olhos e dos teus beijos!
Perpétua é a minha sede da tua virilidade e da fúria da tua língua!
Vem a mim, amor meu, e cumpre os meus desejos!
Satisfaz esta louca espera, que do quente consolo morre à míngua.

Vem, Rei Primeiro, deus bom da fertilidade e do Mundo do Além!
Eu, a tua amada Ísis, aguardo o teu regresso!
Porque, Amor meu, os deuses não morrem!

Oh, que saudades das mornas noites de Mênfis,
quando o luar do deserto destoucava os meus cabelos,
que afagavas até à alvorada das estrelas!
Na tua falta, sonho os nossos corpos nus, em êxtase eterno
e sinto as tuas mãos em terna errância sobre o veludo da minha pele,
em mil carícias, na busca conseguida da culminância.

Está escrito nas linhas do Céu que me amarás de novo
e que o meu feminino corpo se entregará e se fundirá no teu!
Oh, como foi grande a minha dor na tua procura!
Que se cumpra agora a vontade de nossos Pais!
Que o teu divino corpo reunido com ternura ressuscite destes bálsamos
e a ele se junte teu sacro falo,
que com tanto amor e desvelo moldei em escultura!

Assim seja!»

(texto inspirado na lenda “Ísis e Osíris”, de Plutarco)

(1) - Geb – deus egípcio da Terra, irmão e esposo de Nut, deusa do Céu e da Noite. São pais de Osíris e Ísis.
(2) – Após Seth, irmão de Osíris, ter lançado o seu corpo esquartejado ao Nilo, a desventurada Ísis procurou-o pacientemente pelas margens do Nilo e costas do agora Mediterrâneo, até Byblos, a actual Jebail do Líbano. Conseguiu reunir todos os bocados, à excepção do “phallus” que, segundo algumas fontes mitológicas, terá sido comido por um peixe.
(3) - Thoth era o 1º mês do Calendário Egípcio.
(4) - Ísis disfarçou-se de águia. Hórus, o filho, é representado com cabeça de falcão, razão por que também é denominado por deus-falcão.
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