CHANSON D'AUTOMNE

Les sanglots longs
Des violons
De l'automne
Blessent mon coeur
D'une langueur
Monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l'heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure.

Et je m'en vais
Au vent mauvais
Qui m'emporte

Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.

Paul Verlaine
CASTELOS DE VENTO: dezembro 2010

terça-feira

welwitschia mirabilis


Enya - “Storms in Africa”





welwitschia mirabilis

Quem te traz, planta solitária do deserto, ao longo dos séculos?
Quem te alimenta e às tuas flores na estéril gleba?
Que braço, que mão, que asas, que anjo ou demónio
te conduzem e protegem na cela aberta da tua desmedida solidão?

Que ventos selvagens e sem amarras arrebatam os teus alados periantos
e os transportam por sobre as dunas do tempo
pela planura imensa e faiscante?
Que hálito de inclemência e sal é este que sopra do largo?

Por que afagas nas tuas asas aqueles que te consomem e queimam ao longo dos séculos?
Donde a força que os desgoverna desde os indecisos confins?
Donde o ânimo que os faz subir as altas muralhas
de fragas e penhascos da desventrada Costa dos Esqueletos,
qual caravana de serpentes enoveladas e arrastadas
por sobre as tuas verdes asas, como demónios violadores?

Como sobrevives, se dentro das implacáveis labaredas?
Como resistes, eterna e glauca e sempre fresca
na envoltura de cal da sáfara planície de restos?
Como seguras o tempo primário e imóvel
nas areias de sal e de vento e de fogo
que fustigam e torturam as tuas enigmáticas brácteas?

E o Sol, por que o recebes de braços abertos,
quando é ele que queima o orvalho transparente e breve
que haures na lentidão silente das tuas madrugadas?
Que umbráculos acautelam a tua semente incendiada
quando o astro-rei fulgura sobre os ponteiros do meio-dia?
Por que o recebes com o teu sorriso secular e aberto,
a ele, que abrasa as areias e as pedras à tua volta
até às pálpebras vermelhas do crepúsculo?

Que espúrias cinzas te renascem,
gloriosa fénix africana, ao longo das centúrias?
Donde os plangentes e lacerados lamentos de harpa
que te amanhecem e trespassam de perpétua solidão?

Tu que tudo sabes e perdoas, flor solitária do deserto,
tu que sofres no mar de areia, de fogo e de vento
que se alevanta do mar frio da Costa dos Esqueletos,
diz-me… diz-me… terna amiga: "como se cura a solidão?"

Quero dormir esta noite dentro dos teus braços milenares.
Abrigado pelas tuas asas verde-jade.
Nas margens precárias do meu leito,
tendo por limite as paredes oblíquas do meu quarto de vento e areia,
quero beber contigo o frio e doce orvalho da madrugada.

E quando a Lua plena iniciar a descida pelas escadas azulinas do zénite,
quero ser um dos navios naufragados.
Sem mastros, sem velas e sem leme,
vestido de vento e espuma, vogarei contigo
em liberdade de algemas pelos lençóis de bruma do Golfo
e, desgovernados, adernaremos
por sobre os espelhos de areia e algas da Praia dos Esqueletos.

No meu sonho alado e sem âncoras,
quando o mel lunar encher de oiro o nosso território,
perguntar-te-ei, de novo, como se preenche o vazio da solidão.
E tu dir-me-ás então, e tão-somente, que frágil é o corpo, e efémero é o sonho.
E eu sei, amiga, que por aí te ficarás.

E juntos adormeceremos de mãos dadas
sob as horas ermas de silêncio e solidão sem limites
que nocturnas e demoradas tombam
por sobre o chão lunar do mítico Namib.

Zénite


Nota:
É difícil avaliar a idade que estas plantas atingem, mas pensa-se que possam viver mais de 1000 anos. Algumas poderão ter mais que 2000 anos.
Fonte: Wikipedia. http://en.wikipedia.org/wiki/Welwitschia_mirabilis

segunda-feira

Pavana triste pela mocinha vitimada pelo coronel (in)sensível





Gabriel Fauré (1845-1924), Pavana, opus 50.

Sim, quinze anos tinha
no seu corpo em brasa
a infeliz mocinha
que não tinha casa.
Tinha tranças d’oiro
e a pele alvacenta,
tu foste o primeiro
a arrastar-lhe a asa
naquele Janeiro
dos anos setenta.

Ela pai não teve
sequer tinha mãe
não tinha sapatos
não tinha vestidos
não tinha ninguém,
só dias sofridos.

Não havia lua
não havia estrelas
nem sequer abrigo,
a casa era a rua
da pobre donzela
que não tinha amigos.

O seu corpo grácil
de pele de alabastro
jamais resvalado
em sua puridade
não tinha cadastro
mas foi presa fácil
dum lobo esfaimado.

Se um dia voltares
à estrada velha
no negrume agreste,
detém-te e descobre-te,
acende uma vela.

Verás numa faia
- ou “feral cipreste”? -
a seta-coração
bem como a mensagem
que a bela catraia
em aflito pranto
no tronco entalhou
nessa noite túmulo
do seu corpo espanto.
Verás, para cúmulo,
que foste o primeiro
e também o último
a dar-lhe dinheiro.

(Zénite)

NOTA: a expressão “feral cipreste” foi retirada de "O Noivado do Sepulcro", de Soares de Passos.

já a seguir, o bolero do dito coronel:

Bolero do coronel sensível
que fez amor em Monsanto


Eu que me comovo
Por tudo e por nada
Deixei-te parada
Na berma da estrada
Usei o teu corpo
Paguei o teu preço
Esqueci o teu nome
Limpei-me com o lenço
Olhei-te a cintura
De pé no alcatrão
Levantei-te as saias
Deitei-te no banco
Num bosque de faias
De mala na mão
Nem sequer falaste
Nem sequer beijaste
Nem sequer gemeste,
Mordeste, abraçaste
Quinhentos escudos
Foi o que disseste
Tinhas quinze anos
Dezasseis, dezassete
Cheiravas a mato
À sopa dos pobres
A infância sem quarto
A suor, a chiclete
Saíste do carro
Alisando a blusa
Espiei da janela
Rosto de aguarela
Coxa em semifusa
Soltei o travão
Voltei para casa
De chaves na mão
Sobrancelha em asa
Disse: fiz serão
Ao filho e à mulher
Repeti a fruta
Acabei a ceia
Larguei o talher
Estendi-me na cama
De ouvido à escuta
E perna cruzada
Que de olhos em chama
Só tinha na ideia
Teu corpo parado
Na berma da estrada
Eu que me comovo
Por tudo e por nada


(António Lobo Antunes)

a sombra do vazio




Dead Can Dance - "The Host Of Seraphim"



trago comigo o grito da águia solitária
esse brado lancinante e selvagem
que ecoa pelos desertos de todas as miragens
em cujas dunas de poeira vento e memória
escorrem e perduram inteiras
as cinzas das minhas mágoas.





a sombra do vazio


viajo num reino de sombras e claridade.
um reino de alucinações efémeras
que deslumbram os precipícios e os astros.

caminho sob os relâmpagos
que flagelam os despenhadeiros da escuridão
e vogo insone pelos espinhaços nus da noite
numa nave sem âncora e sem mastros.

encontro-me no ponto exacto do labirinto
onde as folhas perdidas mudam de direcção.

ouço a minha respiração ofegante.
sinto o batimento do coração
e tenho a percepção distinta
de que me perdi e não te alcanço,
caminhando vacilante
contra a eminência de todas as manhãs
nas asas de um vento estranho
sem norte e sem esperança.

com fome e sede tantálicas
navego à deriva rente aos escolhos
e meandros das esquinas do tempo
e soçobro nas águas turvas que me cercam.


como uma flâmula azul tremulando
sobre o espectro do mastro da mezena,
só um lugar geométrico permanece.

a saudade lisa e nua da sombra da tua sombra
entardecida sobre os nocturnos vértices
do vagante vulturno.

sexta-feira

Allegretto Dolce




Excalibur, do pintor Boris Vallejo (contemporâneo).


- Dizei-me, ó Lua emigrante,
Lua nobre viajada,
Se vistes a minha princesa
Durante a vossa velada
Pela pátria portuguesa.
"Andam tantas cavaleiras
Por esta terra sagrada,
Dá-me tu, ó cavaleiro,
Os sinais da tua fada."
- Trajava uma alva túnica
E sobre esta um terno manto
Que cintilava ao luar.
Seus cabelos são de fogo,
Olhos índigos de mar.
Na dextra mão uma pena,
Na sestra um fio de tear
Que lh’ ofertou Ariana;
A pena p’ra m’escrever,
O fio p’ra m’orientar.
Tem lábios cor de carmim
E tal finura o seu rosto,
Que parece um querubim.
"Pelas arras que me dás,
Por aqui a vi passar;
Cavaleira de armas brancas,
* 
Em seu cavalo tremedal,*
De dia sorria ao Sol,
Dançava à noite ao luar;
Seguiu p’ra terras de Espanha, *

 Areias de Portugal, *
Ou terá sido Alemanha?
Levava cavalo branco,
Bebia pelo Graal,
Deixou lia de oiro fino,
Fulgor de prata e cristal,
Qual farol alexandrino
P’ra saíres da espiral."

- Que hei-de dar-vos Lua amiga
Pelas novas que me dais?
Dar-vos-ei uma arca de oiro
P’ra vossos raios arrecadardes.
"Guarda lá a tua arca
Que te custou a comprar."

- Dou-vos um véu de platina
P'ra vosso halo enfeitar.

"Ofertai tu esse véu,
Trovista de madrigal,
À tua  infanta querida,
Pois que a mim me basta o céu
E o sol da minha vida."

- Que então vos posso dar?
"Eu, de ti, não quero nada!
Pede à princesa que cante,
Pede à princesa que dance,
Quando é cheio o meu luar;
Rumba ou mazurca de fogo,
Tango ou valsa, tanto faz,
Se ela acolher este jogo,
Todo o mundo a vai amar."
___________________________

* Palavras assistidas” - (Nau Catrineta e D. Beltrão).





. .