CHANSON D'AUTOMNE

Les sanglots longs
Des violons
De l'automne
Blessent mon coeur
D'une langueur
Monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l'heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure.

Et je m'en vais
Au vent mauvais
Qui m'emporte

Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.

Paul Verlaine
CASTELOS DE VENTO: A noite em que Cupido me visitou

segunda-feira

A noite em que Cupido me visitou




A noite passada, à hora em que a Sírio mais flamejava no Cão Maior, e Pólux e Castor se entretinham em fraternal cavaqueira, em meio ia a frígida madrugada. A Lua há muito se deitara por detrás das montanhas azuis do poente. Como demónios à solta, ventos inclementes e sem amarras fustigavam as portas e as janelas da minha casa na montanha, provocando um barulho ensurdecedor. Era grande o cansaço, pelo que, apesar da ventania, consegui adormecer. O livro aberto sobre a almofada era a minha única companhia na noite gelada.

Dormia o sono dos justos, quando fui acordado por várias batidas na porta da entrada principal. "É o vento" – pensei. E voltei-me na cama para continuar aninhado no meu sono reparador. Mas eis que ouço, na pausa das batidas desgovernadas do vento, vários toques na madeira da porta, suaves e compassados. Assustado pela hora tardia, pergunto:

"Quem bate a horas mortas à minha porta, acordando-me e quebrando assim o meu merecido repouso?"
"Sou eu, uma pobre criancinha que vaga gélida e sem tino, perdida nas arestas escuras da noite, pois Lua não há. Abre, não tenhas medo!"

Levanto-me em desassossego, acendo a candeia e abro a porta. Uma ventania inclemente entrou pela casa e apagou de supetão a luz débil e amarelada do candeeiro. Estremeço, pois apesar do escuro, diviso a uns passos de mim uma linda criança seminua, irradiando uma ténue luz de um branco azulado, segurando na mão esquerda um arco e trazendo a tiracolo uma aljava brilhante, de prata, repleta de flechas.

O menino elevou então a mão direita, colocou suavemente em “V” o dedo indicador e o médio, e assim permaneceu durante alguns segundos. Como que obedecendo a uma ordem divina, o vento cessou de imediato e a escuridão que enchia a casa deu lugar a uma claridade azulada, semelhante à irradiada pelo menino, mas mais intensa.
Resoluta, e sem que eu a tenha convidado a entrar, a criança deu alguns passos e, determinada, atravessou o umbral da porta, enquanto a medo eu recuava.

Em casa me está. Com ela penetrou e distribuiu-se pela sala uma fragrância tépida de incenso e rosas, apesar da frieza que invadia a noite. Quando passava em frente do velho espelho que pendia da parede da sala, estacou e compôs o cabelo louro e encaracolado, que o vento desalinhara. Fiquei aflitíssimo ao verificar que o espelho não reflectia a imagem da criança, nem a do arco nem a da aljava.

"Quem és tu, meu menino?" – atrevo-me a perguntar, tentando esconder o terrível pânico que me assaltara. "Perdeste-te de teus pais? Toma este casaco e agasalha-te. Ainda há brasas na lareira. Senta-te. Queres comer? Tenho broa de milho e um bom caldo de galinha que sobrou do meu jantar. Queres?"

“ Não tenho fome e já não tenho frio. E não me perdi de meus Pais. Estou aqui em resposta ao teu apelo.”

“Ao meu apelo?! Mas eu não chamei ninguém, meu menino! Há aqui um grande equívoco!”

Enquanto eu falava, o menino esboçou um curto sorriso, pegou no arco, colocou-lhe uma finíssima frecha dourada que retirou da aljava e, lentamente, retesou o arco e fez pontaria ao meu peito. Foi então que ouvi um rumor de asas, como se fora o latejar de pétalas duma flor magnífica embalada pela brisa. E, lentamente, a criança eleva-se no ar, pairando agora a meia distância entre o chão granítico e o elevado tecto de telha e colmo. Continua a fazer pontaria ao meu peito, com a flecha pronta a disparar. Atemorizado, grito:

“ Que fazes, miúdo? Não te fiz mal algum, ofereço-te comida e guarida e tu tratas-me assim?”

-“Não temas! Não vou magoar-te, pois esta seta não é do teu Mundo. Foi construída para mim por Vulcano, o deus do fogo e das artes metalúrgicas. Tem propriedades muito específicas. Compõem-na finíssimos cristais celestes, numa mistura de ambrósia e de ouro estelar, que irão trazer-te grande ventura e júbilo muito em breve.”
E disparou.

Ouço um breve silvo agudo, seguido de intenso silêncio. Difundindo uma luz branca e fluorescente, a seta caminha, primeiro velozmente, mas logo diminui de velocidade, em direcção ao meu peito. Tento dar um salto para o lado e desviar-me da sua trajectória. Não o consigo. Pesam-me os pés, que se grudam ao chão frio da casa. Baixo-me então instintivamente, mas vejo que a flecha, que continua a perder velocidade, muda o seu trajecto conforme me baixo ou levanto, mas mantendo-se sempre na direcção do meu coração.

Fecho os olhos, preparando-me para o pior. Decorrem breves segundos, que me parecem horas. Como nada sinto, abro de novo os olhos, e vejo que a frecha ainda vem a caminho, diminuindo ainda mais a sua velocidade. Horrorizado, vejo-a aproximar-se e penetrar no lado esquerdo do meu peito. Estupefacto, noto que não há sangue e que uma serena alegria me invade. Sinto na boca uma ardência húmida a mel e flores.

A luz que a seta irradia continua intensa. Acabou de atravessar o meu peito. Não deixou qualquer rasto. Viro-me então para trás. A farpa continua a sua trajectória rectilínea, sai pelas minhas costas e penetra no espelho suspenso da parede e desaparece.

Lá fora, no terreiro, o galo cantou três vezes, anunciando a alvorada. O menino sorri e diz-me:

“ Bem, é tempo de regressar a casa de minha Mãe, para descansar, pois vim de muito longe e caminhei durante toda a noite para vir ter contigo e com outras pessoas que necessitavam dos meus serviços. Sê feliz! A minha missão termina aqui. Já nada posso fazer por ti nem por aquela que te destinei e que acabei de visitar há momentos. Ainda hoje a conhecerás. Agora, tudo depende de vocês. Sejam venturosos e felizes. Então, já sabes quem sou?”

Não respondo à sua pergunta, pois o tempo urge, e interessa-me sobremaneira saber quem é "aquela” que "ele" me destinou. E é essa a pergunta que lhe faço.

“Sairás de manhã pelas giestas, e caminharás para poente. Encontrá-la-ás para lá da Montanha Azul, no momento exacto em que o Sol cintilar sobre os ponteiros do zénite.”
Acto contínuo, o menino dirigiu-se para a janela, destrancou com suprema agilidade os ferrolhos ferrugentos que só de tempos a tempos e muito a custo eu conseguia destravar, e abriu as portadas de par em par, sem o ranger característico dos gonzos também enferrujados pela falta de uso. Por seu lado, a gelosia subiu lentamente, sem qualquer ruído, como se accionada pela magia de um qualquer aparelho invisível. O perfil do menino confunde-se agora com a aura dos alvores do horizonte da madrugada que desponta.

Repentinamente, como se fosse catapultado para o firmamento, Cupido desaparece na imensidão do espaço, na direcção da fulgurante Vénus, deixando atrás de si um resplandecente rastro de luz.

Ouço suaves cânticos, cuja origem desconheço, que erram por toda a montanha e me entram em casa.
Vénus resplende já sobre as colinas a Oriente, chamando os pastores.
Vêem-se os primeiros laivos roxo-violetas anunciando a aurora.
Sairei logo que trate da minha higiene matinal. Não tenho fome. Sinto-me bem. Sinto-me feliz. E apresso-me a partir na direcção da Montanha Azul…



(texto inspirado numa ode de Anacreonte)


2 Comments:

Blogger chipichipi said...

Sublime!
Não consigo dizer mais que isto!
Adorei cada palavra, cada imagem que me surgiu!

9:53 da tarde, julho 09, 2007  
Blogger un dress said...

iMagem.viageM...:)

2:50 da tarde, julho 10, 2007  

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