Tomaso Albinoni - Sonata em sol menor - "Adagio" (1740)
da inutilidade da minha “poesia”
quando os meus pés doridos dos áridos caminhos da vida agreste se quedarem na necrópole sagrada a dois metros da neve que imaculada cai sobre o cipreste as aves da noite silenciarão e sob o luar de mármore os lamentos ouvirão daquele que não foi daquele que não fez daquele que morreu antes de ter nascido se é que nasceu alguma vez.
Um fluxo de dólares e de sangue jorrando sobre a Mesopotâmia. Um sino de fogo embutido nos umbrais do deserto. E a fúria insana. O crude golfando sobre o equinócio num concerto de morte.
E há falcões. Falcões que dançam e pairam sobre os soluços do amanhecer sangrento. Talvez abutres.
Fogo e cinzas calcinadas, estilhaços, gritos, pedaços de argila. A morte galopando sobre as cidades. Não há palavras. Apenas armas.
Breve, um talismã tomba sobre o asfalto. Um turbante esvoaça, branco, sob o luar negro de fumo. Calou-se a flauta de vento que flébil gemia sob a tamareira. Eternos e piedosos, a Lua e Vénus velando a morte.
Cessaram os sorrisos no país de Aladino. Sangue e lágrimas, apenas. Um sem-fim de covas e cemitérios e morte. A face lúgubre e sombria do fim.
Onde as crianças acordadas no seu sonho peregrino? Onde o berço da civilização? Onde a justiça? Onde Babilónia, a dos Jardins Suspensos? Onde as palavras que brotaram da argila? Onde a água de sonho do Tigre? Onde os pássaros voando na brisa levantina? Onde as chispas de oiro e prata das águas de espelhos do Eufrates ora tintas de sangue? Onde a mulher que embalava no berço o seu menino de olhos de mel? Onde o menino? Onde a Babel?
A coberto dos ventos de opróbrio e azeviche, nabucodonosores de barro tombam -outros elevam-se! - no resvalo da pedra de Sísifo. Será tarde, muito tarde, quando trepidantes de náusea os corcéis de fogo do Apocalipse migrarem para o frio na companhia dos pássaros cruéis.
O verbo distorcido aguarda, receoso, a frieza invencível da razão clara. Viscoso e mole o mutismo dos homens flanqueia a gelatina estática do caos. Fenece, a pouco e pouco, o país de Gilgamesh.