vento estivo
vento estivo
é um vento estranho este
que corre a meu lado com o verão.
um vento contínuo, magnético e sem quadrante,
que começa por um súbito e convulso tanger de harpa
que se solta rebelde dos beirais do crepúsculo
para logo se converter em comoventes vagidos
que trespassam as frinchas dos umbrais nocturnos.
desprende-se então em pungentes queixumes
e a seguir perde o alento e silencia por instantes.
mas já de novo geme e chora e carpe e freme
e uiva ferozmente como um lobo.
abro então as portas e as janelas de par em par
e pergunto às arestas do silêncio e à noite atra:
“que vento feiticeiro e sem amarras é este
que em lancinantes uivos e murmúrios
flagela janelas, vinhedos e vergéis
e seca os lábios sedutores das donzelas?"
e uma voz vinda das cinzas do tempo me responde:
“o meu nome é vulturno! sou o ventrículo do grande deserto
e habito as aurículas do teu nocturno desassossego!”
[que estranho e estivo vento é este
que ébrio surge, ressurge, vagueia e perdura e
fere a noite e os deuses ocultos
urdindo com a sua mão lívida e fria
e as suas agulhas e linhas retorcidas
a minha angústia infinita e me sufoca
no meu irreparável desconchego?]
============
(...)
Et je m'en vais
Au vent mauvais
Qui m'emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.
Paul Verlaine
7 Comments:
... Zéfiro, Eolo, Boreas
Ventos e deuses, esquivos, a provocarem desassossegos e desconcertos. Temperamentais.
Obrigada pelas palavras deixadas
Uma boa noite.
pareil à la feuil morte...curioso que também para mim este verão é outono!!
e nem sei se sinto um vento feiticeiro e sem amarras...
mas talvez sinta...às vezes.
a horas mortas...
beijO.zéniTe
...feuille...:)
Caro Zénite
Proponho que declame este poema. Penso que está a pedir que o declamem. Ou talvez seja eu que, cada vez que passo por cá, penso nisso. :)
Tenha um excelente final de tarde
Ese viento que no es
que cruza, como rayo que no rompe ni mancha, tu pecho (nuestros pechos) que boga como loco bagel y a la deriva y bordea el corazón.
Ése es el viento que atosiga (nos) y nos perturba.
¿Seremos capaces de dar forma a ese viento, de definirlo siquiera?
Un abrazo amigo.
(Ya de vuelta y ni siquiera el viento me ha dejado tranquila)
Teresamaremar,
Gosto do perfume a mar, do brando zéfiro, quando este sopra do largo pela tardinha. Também gosto dos aromas marítimos do galerno.
Desconfio de Eolo, e o Bóreas tem dias… ;)
Obrigado.
Abraço.
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Un Dress,
Et je m'en vais
Au vent mauvais
Qui m'emporte
Deçà, delà, …
… e assim me outono e vagueio
com o “vent mauvais” do verão adiado
e adagio-me em arco sobre as cordas
tensas de um violino vermelho
como se uma crina de veludo a partir-se.
Obrigado por me entenderes no “vent mauvais” que sopra a “horas mortas”.
Beijo, Un Dress.
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Cara Maite,
Declamar, declamar… declamo a “Chanson d’Automne”desde os tempos de Liceu. :))
Uma noite tranquila.
Um abraço, e o meu obrigado.
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Anátema,
O problema é que ele é vago e não tem forma, nem face, nem contornos. Todo ele é, tão-somente, um gesto remoto, um gerador de abismos, de ardor, angústia, desalento, dor…
Grato pelas tuas palavras.
Abraço, amiga.
Estou a sorrir das desconfianças eolicas :)
Outono... a minha estação preferida. Para mim, o renascer, não a Primavera. Novos títulos, novos filmes, novos concertos... toda uma "rentrée". Aromas a terra molhada das primeiras chuvas, copas douradas e chão a ranger em tapete de folhas.
Mas, vinha responder ao comentário deixado,
:) eu gosto, vai bem dos 8 aos 80 anos. Embora, durante anos, quando ainda existiam exames, eu muito protestasse com a minha mãe por ter escolhido um nome que me fazia ser das últimas :)))
[sou Maria em segundo]
Obrigada
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