CHANSON D'AUTOMNE

Les sanglots longs
Des violons
De l'automne
Blessent mon coeur
D'une langueur
Monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l'heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure.

Et je m'en vais
Au vent mauvais
Qui m'emporte

Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.

Paul Verlaine
CASTELOS DE VENTO: julho 2009

sábado

o grito



o único grito que ressoa na noite
não é de Munch, é meu.
um grito selvagem e de sal
que vagueia incandescente e sem amarras
pelos umbrais frios que esquadriam
os meus castros de vento e areia.

as palavras balançam num trapézio sem rede.
nada me favorece. nem as estrelas.
em peregrina imprudência, divago pelas trevas
e sigo em círculos, sem bússola nem polar,
numa prisão sonora de correntes.

um bater de asas contínuo
e um interminável galope de cascos
costuram o orvalho das minhas madrugadas.
possante e em clarão, Pégaso surge
e orbita à minha volta mas não estaca
nem me leva no seu dorso velutíneo.

um dia cumprirá a promessa que deixou cativa,
de me conduzir, como se nas asas
de um vento estranho e sem retorno,
a colher os frutos em estrela-de-água
que sob os seus cascos brotam das pedras vivas.

sexta-feira


Antonin Dvorak, Serenata para cordas,
opus 22 (1875), fragm. “Moderato”





sílabas de lume

por tuas mãos se desfaz a neblina.
mas diria que não é névoa, chuva ou zimbro
o que escorre das arestas molhadas
e cavernosas do gélido crepúsculo.

são sílabas de fogo e sombras. sombras cálidas,
diáfanas, perfumadas sob o silêncio do entardecer.
um silêncio sem margens que se dilata
em combustão de lume brando
por entre as flores rubras do topo das colinas
e o balanço curvilíneo dos flancos.

há uma sede crepuscular, restos de luz
e um sopro de essências nocturnas
que cortam as sombras das árvores
e a superfície lisa das coisas.

procuro-te assim no crepúsculo pando
num refúgio de sombras e de raizes.

ainda antes que o lençol da noite se insinue
soletro ponto por ponto as sendas do regresso.
nelas me desoriento e distancio.

entanto, já muito perto do vértice do caminho,
no ponto exacto em que indiferentes
as pedras esmagam o vazio,
o zéfiro traz-me um perfume intenso
a chuva doce e a maçãs frescas.

e é nesse preciso e isolado ponto,
em que só o aroma da tua sombra me vale,
que me abrigo, aquecido pelo lume que cresce
da fragrância anil que orla o teu corpo de deusa.

nessa sombra me adentro, aqueço e permaneço.
eu, que sou incêndio e cinza por cumprir.
. .