o vazio da sombra

o vazio da sombra
caem ermas as horas
sobre o canavial dos dias
sal e orvalho
é o que bebo na neblina
das antemanhãs
na transparência do cendal
enxergo-te ilesa
sobre a areia fina
rente ao caniçal
e respiro-te quente
a longos haustos
como um rasto de aves
sobre a vastidão
que a memória alcança
transitória e frágil
é a palavra
êxtase e sal
na luz mais ingrata
do soro da solidão
na caravana de juncos
junto às margens
não há despojos ancorados
sobre o sono dos "cardos mansos"
no cais de embarque
por cima dos umbrais despidos
do entardecer do destino
não há círios nem lâmpadas acesas
sobre os mastros
sequer estrelas
apenas suspiros
soluços
lamentos
lágrimas
e há uma rosa escarlate
e um lenço vermelho
oscilando ao vento
como vexilos de sangue
impregnados de distância
restam agora
o vazio da sombra
as trevas abissais
e o eco implosivo
dos estilhaços do silêncio
e nada mais