Em demanda do phallus perdido
Em demanda do phallus perdido
Sobre o vale do Nilo cai triste a madrugada.
Na feral câmara a incenso perfumada,
conservado em bálsamos em esquife de ouro,
jaz morto Osíris, o rei-deus do Além e da fertilidade,
esquartejado por seu irmão Seth, deus dos infernos e da escuridade.
Sobre o corpo do amado esposo debruçada,
Ísis, a excelsa rainha-deusa, beija-lhe o rosto e chora em silêncio.
Oh, quão profundo é o amargor que lhe lavra a alma!
Observam-na, de ar grave, escribas e guerreiros,
enquanto os sacerdotes entoam laudes por entre vapores e cheiros
de incenso que pesam na humidade sombria da mastaba.
Lá fora, à sombra dos sicómoros e palmeiras,
fustigado pelo vento agreste e quente do deserto,
o povo anónimo reza e carpe e não entende
por que razão a vida dos deuses também se acaba.
Súplice e harmoniosa, ouve-se a voz de Ísis:
«Ditoso Geb, meu Pai! Recolhi ao longo do Nilo, como ordenastes, (1)
a cabeça, o tronco, e à excepção de um, todos os membros (2)
de meu amado esposo, e erigi nas margens de cada local celsos templos.
Vós que sois da Terra o grande deus,
dai vida ao vosso filho, meu extremoso marido e gémeo irmão,
que jaz inerte e frio nesta câmara mortuária.
E vós, Nut, Mãe amada, deusa dos Céus,
que sois da Noite luminária,
fazei com que o virtuoso falo que com as argilas do Nilo moldei
devolva a meu amado esposo a virilidade originária.»
«Nobre Filha minha! Quando no primeiro dia de Thoth a noite for a meio, (3)
transformada em águia, conhecerás de novo Osíris, que íntegro ressuscitará. (4)
E um deus nascerá desse maravilhoso enleio.
Hórus será o seu nome, e terá por coroa o Sol dos Céus!
Será belo e terá corpo de homem e cabeça de falcão.
Derrotará o traidor Seth, e governará o Egipto com ceptro e sábia mão.
Ele será a luz destes reinos, e da sua árvore nascerão os faraós!
Assim me falou Geb, teu Pai! Cumpra-se o que fica dito!
Que Seth seja anátema e pasto do eterno fogo
e que regresse Osíris, teu adorado esposo
que de novo ensinará o bom povo do Egipto
a pescar, a plantar a vinha e a semear o trigo.»
«Oh, estimado esposo, terno amante!
Imensa é a saudade dos teus olhos e dos teus beijos!
Perpétua é a minha sede da tua virilidade e da fúria da tua língua!
Vem a mim, amor meu, e cumpre os meus desejos!
Satisfaz esta louca espera, que do quente consolo morre à míngua.
Vem, Rei Primeiro, deus bom da fertilidade e do Mundo do Além!
Eu, a tua amada Ísis, aguardo o teu regresso!
Porque, Amor meu, os deuses não morrem!
Oh, que saudades das mornas noites de Mênfis,
quando o luar do deserto destoucava os meus cabelos,
que afagavas até à alvorada das estrelas!
Na tua falta, sonho os nossos corpos nus, em êxtase eterno
e sinto as tuas mãos em terna errância sobre o veludo da minha pele,
em mil carícias, na busca conseguida da culminância.
Está escrito nas linhas do Céu que me amarás de novo
e que o meu feminino corpo se entregará e se fundirá no teu!
Oh, como foi grande a minha dor na tua procura!
Que se cumpra agora a vontade de nossos Pais!
Que o teu divino corpo reunido com ternura ressuscite destes bálsamos
e a ele se junte teu sacro falo,
que com tanto amor e desvelo moldei em escultura!
Assim seja!»
Sobre o vale do Nilo cai triste a madrugada.
Na feral câmara a incenso perfumada,
conservado em bálsamos em esquife de ouro,
jaz morto Osíris, o rei-deus do Além e da fertilidade,
esquartejado por seu irmão Seth, deus dos infernos e da escuridade.
Sobre o corpo do amado esposo debruçada,
Ísis, a excelsa rainha-deusa, beija-lhe o rosto e chora em silêncio.
Oh, quão profundo é o amargor que lhe lavra a alma!
Observam-na, de ar grave, escribas e guerreiros,
enquanto os sacerdotes entoam laudes por entre vapores e cheiros
de incenso que pesam na humidade sombria da mastaba.
Lá fora, à sombra dos sicómoros e palmeiras,
fustigado pelo vento agreste e quente do deserto,
o povo anónimo reza e carpe e não entende
por que razão a vida dos deuses também se acaba.
Súplice e harmoniosa, ouve-se a voz de Ísis:
«Ditoso Geb, meu Pai! Recolhi ao longo do Nilo, como ordenastes, (1)
a cabeça, o tronco, e à excepção de um, todos os membros (2)
de meu amado esposo, e erigi nas margens de cada local celsos templos.
Vós que sois da Terra o grande deus,
dai vida ao vosso filho, meu extremoso marido e gémeo irmão,
que jaz inerte e frio nesta câmara mortuária.
E vós, Nut, Mãe amada, deusa dos Céus,
que sois da Noite luminária,
fazei com que o virtuoso falo que com as argilas do Nilo moldei
devolva a meu amado esposo a virilidade originária.»
«Nobre Filha minha! Quando no primeiro dia de Thoth a noite for a meio, (3)
transformada em águia, conhecerás de novo Osíris, que íntegro ressuscitará. (4)
E um deus nascerá desse maravilhoso enleio.
Hórus será o seu nome, e terá por coroa o Sol dos Céus!
Será belo e terá corpo de homem e cabeça de falcão.
Derrotará o traidor Seth, e governará o Egipto com ceptro e sábia mão.
Ele será a luz destes reinos, e da sua árvore nascerão os faraós!
Assim me falou Geb, teu Pai! Cumpra-se o que fica dito!
Que Seth seja anátema e pasto do eterno fogo
e que regresse Osíris, teu adorado esposo
que de novo ensinará o bom povo do Egipto
a pescar, a plantar a vinha e a semear o trigo.»
«Oh, estimado esposo, terno amante!
Imensa é a saudade dos teus olhos e dos teus beijos!
Perpétua é a minha sede da tua virilidade e da fúria da tua língua!
Vem a mim, amor meu, e cumpre os meus desejos!
Satisfaz esta louca espera, que do quente consolo morre à míngua.
Vem, Rei Primeiro, deus bom da fertilidade e do Mundo do Além!
Eu, a tua amada Ísis, aguardo o teu regresso!
Porque, Amor meu, os deuses não morrem!
Oh, que saudades das mornas noites de Mênfis,
quando o luar do deserto destoucava os meus cabelos,
que afagavas até à alvorada das estrelas!
Na tua falta, sonho os nossos corpos nus, em êxtase eterno
e sinto as tuas mãos em terna errância sobre o veludo da minha pele,
em mil carícias, na busca conseguida da culminância.
Está escrito nas linhas do Céu que me amarás de novo
e que o meu feminino corpo se entregará e se fundirá no teu!
Oh, como foi grande a minha dor na tua procura!
Que se cumpra agora a vontade de nossos Pais!
Que o teu divino corpo reunido com ternura ressuscite destes bálsamos
e a ele se junte teu sacro falo,
que com tanto amor e desvelo moldei em escultura!
Assim seja!»
(texto inspirado na lenda “Ísis e Osíris”, de Plutarco)
(1) - Geb – deus egípcio da Terra, irmão e esposo de Nut, deusa do Céu e da Noite. São pais de Osíris e Ísis.
(2) – Após Seth, irmão de Osíris, ter lançado o seu corpo esquartejado ao Nilo, a desventurada Ísis procurou-o pacientemente pelas margens do Nilo e costas do agora Mediterrâneo, até Byblos, a actual Jebail do Líbano. Conseguiu reunir todos os bocados, à excepção do “phallus” que, segundo algumas fontes mitológicas, terá sido comido por um peixe.
(3) - Thoth era o 1º mês do Calendário Egípcio.
(4) - Ísis disfarçou-se de águia. Hórus, o filho, é representado com cabeça de falcão, razão por que também é denominado por deus-falcão.
(1) - Geb – deus egípcio da Terra, irmão e esposo de Nut, deusa do Céu e da Noite. São pais de Osíris e Ísis.
(2) – Após Seth, irmão de Osíris, ter lançado o seu corpo esquartejado ao Nilo, a desventurada Ísis procurou-o pacientemente pelas margens do Nilo e costas do agora Mediterrâneo, até Byblos, a actual Jebail do Líbano. Conseguiu reunir todos os bocados, à excepção do “phallus” que, segundo algumas fontes mitológicas, terá sido comido por um peixe.
(3) - Thoth era o 1º mês do Calendário Egípcio.
(4) - Ísis disfarçou-se de águia. Hórus, o filho, é representado com cabeça de falcão, razão por que também é denominado por deus-falcão.
6 Comments:
"...Oh, que saudades das mornas noites de Mênfis
quando o luar do deserto destoucava os meus cabelos
que afagavas até à alvorada das estrelas!..."
Oh... o amor místico dos sonhos, que corre como um rio de águas transparentes e nos enleva...
Um abraço e boa semana :)
Tão bonito! As palavras fluem.
Pelo que neste teu canto tenho lido, pelos temas abordados, vou pedir uma ajuda... caminhos para explorar o tema do feminino, antigas sacerdotizas, sociedades matriarcais, deusas, ninfas, musas e afins, a Terra-Mãe... que leituras sugeres?
Abraço
Menina_Marota
Humildemente digo que também gosto muito deste excerto.
Obrigado pelas palavras.
Abraço e uma noite tranquila.
________
Teresamaremar
Oh, não te sei sugerir nada.
Amante da história humana e da mitologia, “rato” de bibliotecas públicas em tempos idos, com muitos apontamentos que se vão perdendo, levados pelo vento que sopra das esquinas do tempo único gerado por um estranho Cronos de quatro asas e seis olhos - versão egípcia - que devora os seus filhos mas é simultaneamente símbolo da razão e das paixões que orientam a conduta dos homens, procuro as “minhas” deusas, fadas, ninfas, sacerdotisas, heroínas (Afrodites, Atenas, Ceres, Circes, Helenas, Heras, Penélopes, Camilas, Guineveres, Morganas, Vivianes… ) – poderia acrescentar o “eterno feminino” mas não arrisco - ;) – pelos caminhos brumosos da Ilíada, da Odisseia, da Eneida, dos Lusíadas, das lendas Arturianas, e até pelas estradas do Decameron, de Bocaccio (estas simples mortais, mas belas como todas as referidas).
Sobre boas bibliotecas online, que por certo conhecerás, mas que acrescento para o caso de por aqui passar alguém que as não conheça:
Project Gutenberg
http://www.gutenberg.org/wiki/Main_Page
Biblioteca Nacional Digital
http://bnd.bn.pt/
E já agora, por autores:
http://purl.pt/index/geral/aut/PT/M.html
P.S.: Sobre “sociedades matriarcais”, encontrei este site:
http://www.matriarchy.info/
ah, e tenho outro auxiliar: a Grande Enc. Port. e Brasil. : )
Uma noite tranquila.
Um abraço e obrigado pelo comentário.
OLá Zénite
obrigada pela resposta :)
Estou a abrir o último site que indicas.
Uma boa noite
Delicioso!
Fui embalada até outras paragens!
E não o fui apenas pelo som, mas também pelas palavras!
Bj
Teresamaremar
Ainda bem que o site te foi útil.
Abraço
====
Chipichipi
Folgo que assim seja.
Obrigado pelo comentário.
Bjs.
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