CHANSON D'AUTOMNE

Les sanglots longs
Des violons
De l'automne
Blessent mon coeur
D'une langueur
Monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l'heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure.

Et je m'en vais
Au vent mauvais
Qui m'emporte

Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.

Paul Verlaine
CASTELOS DE VENTO: Nocturnas Palavras

sexta-feira

Nocturnas Palavras


Frederic Chopin, Nocturno, opus 9, fragm. n.º 2 (1831)





Nocturnas palavras

Escrevo sob a alpendrada, por entre as colunas. De um universo de centenas de milhares de vocábulos, procuro as palavras certas, as que devorem a escuridão abismal que me vai na alma. Onde as demandarei? Na lua incerta oculta pelas nuvens de incêndio e sangue que espelham o clarão suspeito da grande cidade, na outra margem? Não! Nas folhas da minha figueira mansa? Não! Antes fora brava, e provavelmente nela as encontraria. Nas laranjas verdes que, vacilantes, oscilam ao sabor da brisa, e que há muito olvidaram os aromas das flores? Também não. No rumorejante canavial do campo defronte, convertido em negro avejão de asas laceradas a partir do lusco-fusco? Porventura, mas não vou sair da prudente placidez do meu território para o saber.

Será que é esta luz de néon branca e fria que vem do alto do madeirame, como se este fora o cavername de um navio fantasma, que queima as raízes da noite sem margens e as minhas e me sufoca a mente, que não me deixa alcançar as palavras? Ou será a claridade asfixiante que ressalta da frígida indiferença do cristal de vídeo que tenho à frente? Talvez.

Na madrugada da noite que avança sem âncoras, como encontrar a medula grega do verbo, a genuína essência da seiva que corre ao longo das linhas oblíquas e labirínticas da história, que há muito partiu de Knossos nas asas estranhas de um vento pós-equinócio?

Apago todas as luzes e saio para a terra nua. Encosto-me ao tronco esguio de um choupo que num anúncio prematuro de Outono, quiçá de Inverno, a pouco e pouco se vai despindo.
Um sopro oloroso e húmido de sudoeste desliza continuamente pelo meu corpo. Tento agarrá-lo com as mãos e depois com os lábios, sorvendo-o, sedento, a longos haustos. Não corro risco de ser surpreendido na loucura do gesto, pois não há vivalma por aqui. Estou tão só como a lua silente lá no alto. Apenas o latido doloroso de um cão perfura de vez em quando a estranha quietude que me cerca.

Pergunto então à noite: “onde escondeste as palavras, que as não encontro?”
Taciturna, a escuridão devolve-me o seu eco silencioso, envolve-me no seu manto viscoso e sombrio e cinge-me com as suas algemas de orvalho, enquanto desprendida a lua se esconde por detrás de um algodão vermelho-vulcânico.

Hesitante, saio de onde estou e caminho por entre as árvores. O ritmo dos meus passos conjuga-se com a métrica da entoação muda da respiração da terra.
A rainha da noite volta a aparecer e a flutuar nos espelhos indistintos do pequeno lago ali perto. Cintila graciosa como se ensaiasse uma dança de nenúfares. É uma “lua sobre a água”. E porque a expressão é de García Lorca, peço encarecidamente a este que me ajude.

Distante e impassível, Lorca diz-me que não me apoia porque não gostou dos versos que um dia lhe dediquei. E acrescentou: “Todo o mundo que ser poeta. No entanto, é mais fácil ser farmacêutico... E ser farmacêutico até é bem difícil." E afastava-se já, quando ouvi a sua voz em surdina: "Porque simplesmente não desistes?”

Não lhe respondi, mas pensei para dentro de mim: “fossem minóicas como as de Knossos estas colunas e de pedra antiga o madeirame da abóbada, e as palavras fluiriam como se provenientes da liquidez da fonte de Clepsidra, a que é alimentada pelas águas puras e cristalinas que escorrem das altas fragas e aclives da longínqua Messénia, na qual as ninfas davam banho a Zeus-menino.

Por entre os destroços e ruínas que povoam o meu espírito, as sílabas assemelham-se a fantasmas baços dançando sobre o silêncio indeterminado que paira sobre a lua do lago. Desisto então de procurar as palavras certas nesta noite de silêncio opressivo entrecortado pelos latidos magoados de um cão triste e pelos raios de luz imprecisa derramados por uma lua vaga-lume de novo oculta por nuvens opacas.

O lago está agora escuro como breu. Reacendo as luzes e volto ao cristal de vídeo. As claves mudas alinhavam sozinhas as palavras que não encontrei.
Vou apagar de novo todas as luzes, e talvez as palavras, e sentar-me tranquilamente a um canto a fumar. Não, não apagarei as palavras.

Descrevendo luminosas parábolas, só o meu cigarro incendeia a escuridão. Por entre os balaústres e as colunas vermelhas que constituem a minha única protecção contra o insustentável cavername que segura noite, apenas a minha solidão e a do meu cigarro existem e permanecem. Estou em Knossos. Na última curva da madrugada.

12 Comments:

Blogger © Maria Manuel said...

(Zénite, que curioso, ontem estava exactamente a rascunhar um pequeno texto sobre a dificuldade da escrita, que giro!)

«a escuridão» que «devolve o seu eco silencioso», «os destroços e ruínas que povoam» o espírito, «sem âncoras», «com as suas algemas de orvalho»… exprimes bem as sensações de fragilidade, frustração e vazio face ao árduo labor que é a escrita.
(como alguns dizem, 99% de suor e 1% de inspiração, acho que é assim, mais ou menos…)

em todo o caso, só em fantasia as teclas escrevem sozinhas e as tuas «Nocturnas palavras» aqui estão! ;)

11:57 da manhã, setembro 08, 2007  
Blogger Maite said...

Caro Zénite

Nocturnos pensamentos "vazios" de palavras?!
Estava aqui a pensar se pensamos com palavras ou se os pensamentos existem só por si e as palavras são apenas veículos para os transmitirmos aos outros!?

Repousante este Nocturne de Chopin :)

E de repente se fez "dia" :)

9:27 da tarde, setembro 09, 2007  
Blogger Zénite said...

Cara Maria M.,

Dizes bem: fragilidade, frustração, vazio, árduo labor.

Abraço.

============



Cara Maite,

Creio que ambos os pontos de partida estão correctos. Ou seja, um pensamento pode trazer-nos um número indeterminado de palavras e uma palavra uma infinidade de pensamentos.


Só a título de brincadeira, vou reproduzir aqui um excerto de uma “conversa” que certo dia se travou num fórum, também por brincadeira, claro, acerca da expressão “sublimado corrosivo”, que de certo modo mostra que uma palavra pode conduzir a uma infinidade de ideias, embora no caso em apreço eu as conduzisse sempre para o mesmo objectivo. Ou não teria sido eu e sim as palavras? :)

O que eu disse então:

“sublimado corrosivo”
é um cloreto
cloreto é sal
sal, maré
maré, búzio
búzio, murmúrio
murmúrio, lábios
lábios, beijos
beijos, amor
amor, sonho
sonho, Freud
Freud, sublimação (não esquecer que Freud roubou este vocábulo aos químicos)
sublimação, corrosão
corrosão, erosão
erosão, rochas
rochas, petróleo
petróleo, Iraque
Iraque, guerra
Mas eu não quero falar de guerra.


Tentarei de novo a partir de Freud
Freud, sublimação
sublimação, mercúrio (sublimado corrosivo = cloreto de mercúrio)
Mercúrio, irmão de Marte
Marte, Deus da Guerra
Mas eu não quero falar da guerra …”

E assim foi caminhando a “conversa”.

Abraço e uma noite tranquila para si, Maite.

P.S.: também gosto muito deste nocturno. Creio que no filme “O Pianista”, o actor Adrien Brody (não consigo fixar o nome do pianista real), interpretava este nocturno na Rádio Varsóvia no preciso momento em que os vidros do estúdio se estilhaçaram, devido às bombas anunciadoras da invasão da Polónia pelas tropas de Hitler.

Por certo a Maite já terá visto o filme. Sublime!

10:43 da tarde, setembro 09, 2007  
Blogger Concha Pelayo/ AICA (de la Asociación Internacional de Críticos de Arte) said...

Amigo. Tus palabras me llevan a la hermosa Grecia, hace ya algunos años. Ahora ya recuerdos, pero han vuelto con la misma nitidez que los viví, junto al palacio de Knososs al lado de esas columnas rojas, a pleno sol del mediodía, inmersa en el paisaje y en medio de una sinfonía de chicharras. Allí viví y gocé durante unas horas. Fue en el transcurso de un crucero por las islas griegas: Rhodas, Mikonos, Santorini, Effeso, Creta...y cómo no, Atenas y la colina de la Acropolis. Fue un viaje espléndido, imborrable en mi memoria. Hoy me lo has recordado.

Un beso amigo.

11:40 da tarde, setembro 09, 2007  
Blogger Zénite said...

Anatema amiga,

Folgo por te ter trazido tão boas recordações.

Tencionava ir Grécia este Verão, mas à última hora a minha mulher foi acometida de aviofobia, e nada feito. Os grandes incêndios ainda vieram complicar mais as coisas. Talvez para o ano.

Beijo.

11:55 da tarde, setembro 09, 2007  
Blogger teresamaremar said...

Estas palavras lembraram-me dois posts do meu antigo Horas-e-Deshoras, um com textinho meu, outro com palavras de Konstandinos Kafakis.
Vou recolocá-los hoje.

1:10 da manhã, setembro 10, 2007  
Blogger Concha Pelayo/ AICA (de la Asociación Internacional de Críticos de Arte) said...

Amigo: Debes ir a Grecia para emborrarte de su luz y su silencio, de las aguas del Egeo y de sus pequeñas iglesias, de la ilusa ilusión del Coloso que no existe, de sus iconos y de la sonrisa de los griegos. Debes ir.

Yo parto el día 22 para Malasia. En diez días voy a volar diez veces. ¿No crees que es una locura? Sin embargo, pese a la inquietud previa que me produce un viaje así, tengo una gran ilusión.

Os contaré, por suepuesto.

Un abrazo.

3:02 da manhã, setembro 10, 2007  
Blogger un dress said...

viagem d escrita

belo

belo

e belo


...



:)

10:44 da manhã, setembro 10, 2007  
Blogger Zénite said...

Amiga Anatema,

Que seja uma visita inesquecível, essa que vais fazer a Kuala Lumpur e às deslumbrantes paisagens e praias da Malásia. Singapura, muito embora já não pertença à Malásia estará incluída, por certo.(?)

Boa viagem e boa estada, amiga.

Bj.

10:00 da tarde, setembro 10, 2007  
Blogger Concha Pelayo/ AICA (de la Asociación Internacional de Críticos de Arte) said...

Amigo Zénite. Las ciudades de mi viaje serán Langkawi, Kuala Lumpur, Kota Kinabalu, Sandakan.
Visitaremos lugares como Isla de Langkawi, Mangrove Forest (bosque de manglares) Cuevas Batu, visita y cena en las famosas Torres de Kuala Lumpur, Isla de Borneo (mar del sur de China y Océano Pacífico) islas de Parque Marino Tunku Abdul Rahman Park en Sabah (Mar del sur de China y Manukan Islan)También visitaré el Santuario de los Orangutanes Sepilong.
Como ves es un viaje muy denso, muy completo.
Singapur no está programado.Estuve en el aeropuerto hace tres años haciendo escala cuando me dirigía a Melburne, pero no conozco la ciudad aunque creo es supermoderna.
Disculpa por haberme extendido tanto.
Gracias por tus, siempre, amables palabras.

Ahora que releo lo que te escribo me doy cuenta de que es una locura de viaje. En fin.

11:24 da tarde, setembro 10, 2007  
Blogger Zénite said...

Anatema amiga,

E que felicidade, que fascínio, e que alegria brotam do bem-estar e harmonia que nos proporciona a sã loucura!

Será um longo passeio de magia e emoções por um paraíso de sonhos, brisa, cor, água.

Assim to desejo. Assim será.

Beijo.

9:42 da manhã, setembro 11, 2007  
Blogger teresamaremar said...

Pego num cigarro e fico a ler por entre os labirintos das tuas palavras, até uma outra curva de madrugada

depois do texto, chego, nos comentários, ao jogo de palavras,

Iraque, guerra
...
Marte, Deus da Guerra
...



porque não continuá-lo...

guerra, paz
paz, branco
branco, clareza
clareza, manhã
manhã, luz
luz, serenidade
...
?

ou

guerra, sangue
sangue,vermelho
vermelho, alegria
alegria,riso
riso,vida
...
?


uma boa noite :)

12:39 da manhã, outubro 08, 2007  

Enviar um comentário

<< Home

. .