quinta-feira
Pássaros cruéis



Pássaros cruéis
Um fluxo de dólares e de sangue
jorrando sobre a Mesopotâmia.
Um sino de fogo embutido nos umbrais do deserto.
E a fúria insana.
O crude golfando sobre o equinócio
num concerto de morte.
E há falcões.
Falcões que dançam e pairam sobre os soluços
do amanhecer sangrento.
Talvez abutres.
Fogo e cinzas calcinadas,
estilhaços, gritos, pedaços de argila.
A morte galopando sobre as cidades.
Não há palavras. Apenas armas.
Breve, um talismã tomba sobre o asfalto.
Um turbante esvoaça, branco,
sob o luar negro de fumo.
Calou-se a flauta de vento
que flébil gemia sob a tamareira.
Eternos e piedosos, a Lua e Vénus
velando a morte.
Cessaram os sorrisos no país de Aladino.
Sangue e lágrimas, apenas.
Um sem-fim de covas e cemitérios e morte.
A face lúgubre e sombria do fim.
Onde as crianças acordadas
no seu sonho peregrino?
Onde o berço da civilização? Onde a justiça?
Onde Babilónia, a dos Jardins Suspensos?
Onde as palavras que brotaram da argila?
Onde a água de sonho do Tigre?
Onde os pássaros voando na brisa levantina?
Onde as chispas de oiro e prata
das águas de espelhos do Eufrates
ora tintas de sangue?
Onde a mulher que embalava no berço
o seu menino de olhos de mel?
Onde o menino?
Onde a Babel?
A coberto dos ventos de opróbrio e azeviche,
nabucodonosores de barro tombam
-outros elevam-se! -
no resvalo da pedra de Sísifo.
Será tarde, muito tarde,
quando trepidantes de náusea
os corcéis de fogo do Apocalipse
migrarem para o frio
na companhia dos pássaros cruéis.
O verbo distorcido aguarda, receoso,
a frieza invencível da razão clara.
Viscoso e mole o mutismo dos homens
flanqueia a gelatina estática do caos.
Fenece, a pouco e pouco, o país de Gilgamesh.