
Em humilde preito de admiração, reconhecimento e apreço, dedico as modestas quadras que se seguem ao ilustre Poeta Adolfo Correia da Rocha, que decidiu, em 1934, adoptar o pseudónimo de Miguel Torga, numa prova de veneração à urze, essa humilde, bravia e espontânea planta que cresce no chão agreste de todo o Portugal e, particularmente, nas fragas e serranias do Norte.
Corresponde a torga, no reino vegetal, à força, à robustez e à energia que sempre caracterizaram a consciência do Poeta e do Prosador, na sua acutilante insubmissão ao obscuro sistema socio-político então dominante. Como a urze relativamente à natureza, nunca se deixou subjugar pela agreste e dominadora natureza humana (leia-se "desumana").
a flor da torga
quando morno o vento sopra da serra
e os deuses ávidos beijam as cumeeiras
quando subtil o mel lunar afaga a terra
e o trigal latesce verde pelas jeiras
quando na madrugada cor-de-rosa
a brisa desce lenta das escarpas
e em breves ais trespassa voluptuosa
os ramos das queirogas como harpas
quando do céu a alvura dos rebanhos
desce à urze branca que nas alfombras
se mescla em tons de roxo e de castanhos
em veludos sépia de luz e sombras
quando a alva se incendeia em mil fogueiras
e o sol doira os cabelos de titónia
é abril mês de páscoa e sementeiras
o que flora e pubesce a casta torga
é então que a urze abre os roxos lábios
que a flava abelha oscula e o sol afaga
nas asas hialinas dos ventos sábios
convertendo a charneca em nívea plaga