
capillus veneris [1]
há um choro granítico, silencioso,
que pende hialino das paredes húmidas.
lágrimas e rugas apenas.
na vertical do meio-dia,
da nora os mouriscos gemidos.
numa esperança de sol,
êxtase são as lágrimas e os limos.
companheiras as estilhas de luz
que tombam rente aos salpicos de água
na cintilação ocre dos alcatruzes.
um colar de pranto e argila
sob a figueira brava.
da noite, o manto e os pássaros.
num retorno ao mel e ao verde quase azul,
o cabelo de vénus refulge de doçura
sob o agosto de um quarto de lua.
do dia, a ignescência do sol e a quietude do vento
em sonhos de água de brilho intenso.
fotossíntese das minhas utopias,
dás-me a beber, serena capilária,
na respiração solitária do teu silêncio,
da esperança a doce clorofila.
na vertigem de espelhos do teu poço-oásis
habitas-me assim, cappillus veneris,
em inconsciente e etéreo delírio,
as raízes mais profundas da minha alma.
[1]- Cabelo de Vénus. "Adiantum cappillus-Veneris" (Lin.) - Planta herbácia medicinal, também chamada capilária e avenca, que cresce nos sítios sombrios e húmidos do País (v.g. poços, minas, rochedos húmidos).
"...tirando a cada momento da algibeira rebuçados de avenca para o catarro"
(Eça de Queirós, "O Primo Basílio)